Leitura comentada

O General em seu Labirinto – Gabriel García Márquez
            Conta a história do general Simon Bolívar, personagem histórico de grande relevância para a América Latina, por ter liderado o movimento de emancipação política de vários países que ainda eram colônias da Espanha.  
            O livro refere-se a uma parte da vida de Simon Bolívar que a primeira vista pode parecer enfadonha em relação aos seus grandes momentos. O enredo gira em torno dos últimos anos de vida do general, atingido pela doença e cansado das disputas regionalistas que punham por terra seu sonho de uma grande nação unificada formada pelos países recém independentes. Mostra como El Libertador lutava ao mesmo tempo em duas frentes: tentando fazer com que os outros generais que estavam então no exercício do poder político das desmembradas repúblicas pusessem em prática a idéia da unificação, ao mesmo tempo em que ele se debatia com graves problemas de saúde. O livro de García Márquez tenda recriar a personalidade dessa famosa figura histórica em seus últimos e sofridos anos, ao mesmo tempo em que relembra os grandes feitos do general, tanto nas conquistas políticas quanto nas suas aventuras pessoais. García Márquez valeu-se de vários documentos históricos para criação deste livro. Ele nos faz pensar no Libertador da América como uma pessoa de carne e osso, um mortal como nós, cheio de desejos e dotado de um agudo caráter expansivo e emocional. O autor não deixa o humor de fora da narrativa, dando ao próprio personagem de Bolívar passagens anedóticas, como se nota na seguinte expressão utilizada pelo general. Em alguns momentos ele perdia a compostura e mandava tudo aos:  
- Carajos!






 
Memorial do Convento – José Saramago
           
            Narrativa fascinante, histórica, inacreditável. Esses são apenas alguns adjetivos que se podem empregar para este fabuloso romance de José Saramago. O enredo passa-se num Portugal do século XVIII, durante a monarquia de João V. O título da obra deve-se a construção em tal época do Convento de Mafra, edificação grandiosa erigida como promessa pelo nascimento do primeiro filho do rei. Mas algo de maior importância está sendo construído sem o conhecimento de quase todos os habitantes do reino, segredo este só compartilhado por três pessoas, o Padre Bartolomeu Gusmão, o maneta e ex-soldado Baltasar e a visionária Blimunda.
            A desconhecida construção diz respeito a uma passarola que os fariam levantar vôo. O Padre Bartolomeu Lourenço, que anos após tornar-se-ia  Gusmão, era o idealizador e engenheiro da obra, que consumiria cerca de treze anos até ficar pronta. Finda a máquina voadora os três puseram-se a voar, sobrevoando Lisboa, até chegarem a Mafra, onde a passarola não voltaria a subir ao céu, mantendo-se escondida num monte em meio a uma densa mata.
            Este livro de José Saramago ao mesmo tempo em que narra de forma única e poética a história de amor entre Baltasar e Blimunda também traz o contexto em que se deu a construção do Convento de Mafra. Mostra o quanto a vida da população estava ligada as ações da Coroa Portuguesa. A descrição de ações de instituições como o Santo Ofício no livro mostram como a religião católica tinha um papel arbitrário na vida da sociedade portuguesa do século XVIII. Memorial do Convento consegue, através de uma peculiar história de amor, recriar  o panorama de um oitocentista Portugal monárquico. Entre o real e o irreal, entre o comum e o fantástico, Memorial do Convento é leitura indispensável para os que admiram ficção ambientada sobre pano de fundo histórico, algo que a erudição de Saramago faz com maestria.






O Tambor – Günter Grass
            Conta a história de Oscar Matzerath, no período da segunda guerra e do pós- guerra na Alemanha. O livro, apesar de seu tom incomum (ou principalmente por este tom), nos leva a relacioná-lo com enredos absurdos ou a dotá-lo de elementos surreais. Contendo ou não essas características, a obra é, certamente, um dos mais lúcidos retratos da Alemanha nazista.
            Narrado em primeira pessoa por Oscar, O Tambor é título e elemento do livro, uma vez que é sob o som das baquetas que o personagem central consegue organizar suas reminiscências e compor a narrativa, que se inicia com o encontro de seus avós maternos, na zona rural alemã, até sua internação num hospício.
            A própria pessoa de Oscar é um dos elementos mais singulares da obra. Ainda com três anos de idade, ele deliberadamente decide interromper seu próprio crescimento, para isso joga-se pela escada do porão de sua casa. Após a queda, Oscar mantém praticamente a mesma estatura ao longo de sua vida. Desde esse episódio ele adota uma conduta completamente diversa, tornando-se espectador dos acontecimentos que antecederam o início da guerra na Alemanha, sobretudo narrando à formação da juventude hitlerista. Quando encontra o circo itinerante do anão Bebra, recebe deste o conselho norteador: “Mantenha-se embaixo da banca de discurso Oscar, nunca na frente dela, gente como eu e você precisa manter-se viva”.
            As aventuras de Oscar ao longo da obra podem parecer absurdas e exóticas, mas servem como forma de transmissão de um ponto de vista arguto e peculiar. Ele, que renunciou ao ensino escolar, preferindo instruir-se através da leitura de Rasputin e Goethe, oscilando sob a influência desses dois autores, sempre se achou deslocado entre os demais. Veremos o pequeno Oscar desenvolver várias atividades durante o enredo; músico da juventude hitlerista com seu tambor, escultor de lápides, modelo para jovens pintores, “vitricida” no teatro de campanha, baterista de uma modesta banda de jazz. Toda essa diversificada atividade seria personalizada com a surpreendente subjetividade do pequeno.
            O Prêmio Nobel de literatura de 1999, o alemão Günter Grass, em O Tambor, fez a opção por um inusitado narrador, que ao primeiro momento não parece o mais indicado a servir de porta voz de um período tenebroso da história alemã e mundial, mas após cada página lida percebe-se que somente ele, o pequeno Oscar, seria capaz de contar-nos tão diferentemente bem as intempéries de um país transformado pela guerra.   





Pedro Páramo – Juan Rulfo
            A história de Pedro Páramo se desenvolve num ambiente fantasmagórico e de reminiscentes memórias da zona rural mexicana. A época histórica a qual o romance se refere, embora no livro não haja nenhuma referência explicita, diz respeito ao período da Revolução Mexicana, na qual camponeses liderados por Pancho Villa e por parte do clero, principalmente padres, foram os maiores responsáveis pelo movimento revolucionário. Vale ressaltar que apesar de se referir a esse período o livro não trata de forma específica da Revolução, nem pretende tê-la unicamente  como pano de fundo para construção do seu enredo.
            Vê-se que se trata de um romance de mortos, tanto daqueles que constituíam a elite latifundiária quanto daqueles que participaram do movimento revolucionário. Sua história se inicia a partir da busca feita pelo personagem que, a pedido de sua mãe, vai à busca de Pedro Páramo, dito seu pai. O que se vê daí em diante, após a chegada dele no povoado de Comala, é a reconstrução da história desse local, e conseqüentemente a reconstrução da história de seu próprio pai, Pedro Páramo, feita pelos falecidos habitantes da cidade. São mortos de determinadas datas fazendo referências aos mortos de datas mais remotas. É uma espécie de retrospectiva que ligará os vários relatos que tornarão mais presentes e inteligíveis os motivos que fizeram Comala transforma-se numa terma erma. O livro conta parte da história mexicana através de personagens típicos da zona rural, utilizando-se de uma narrativa que, pelo seu teor reminiscente e póstumo, aproxima-se do realismo fantástico. No fim a morte aos poucos de Pedro Páramo, o grande dono de quase toda a terra da região, faz-nos relacioná-la com as mudanças ocorridas no próprio México do período, apontando uma perda de poder dos latifundiários principalmente no pós- Revolução.






Agosto – Rubem Fonseca
            Rio de Janeiro da década de 1950, Getúlio Vargas está no poder como presidente eleito, o jogo político entre os diferentes partidos acontece e vai além dos espaços oficiais de discussão, como a Câmara dos deputados, o Senado ou o palácio do Catete, se estendendo a lugares informais e a acordos e práticas ilícitas. Nesse contexto de corrupção política, no qual os bastidores são mostrados, evidenciando, para usar uma expressão muito corrente na obra, o “mar de lama” no qual o país mergulhara, é que se desenvolve a obra Agosto de Rubem Fonseca.
            A partir do atentado contra o jornalista e principal porta voz da oposição, Carlos Lacerda, no qual ocorre à morte de seu guarda costa, um major da aeronáutica, inicia-se um forte movimento a favor da renúncia do presidente Vargas, principal suspeito de ser o mandante do atentado. Paralelamente aos acontecimentos envolvendo os fatos referentes ao atentado contra o jornalista estão sendo feitas investigações sobre o assassinato do dono de uma grande empresa brasileira, que obteve num curto período muitos benefícios do governo. Esta investigação é feita pelo comissário de polícia Mattos, policial honesto que não aceitava os subornos que a quase totalidade dos policiais de seu distrito aceitavam.
            Uma das principais características da obra é a constante alternância da narrativa, pois o autor reveza o enredo ao por trechos que tratam dos fatos relativos à vida do comissário Mattos e de sua investigação, enquanto também faz várias referências ao panorama político do país. Esse elemento proporciona ao livro um caráter diferenciado, pois essas narrativas paralelas, macro e micro, acabam se relacionando.
            A obra é densa no que diz respeito principalmente ao número de personagens, pois mesmo não estando relacionadas com a narrativa central do livro muitas pessoas são citadas, já que participaram do contexto político da época.  Para quem busca conhecer o grupo de indivíduos envolvidos no processo político que culminou no suicídio de Getúlio Vargas, Agosto é o livro certo, mesmo se tratando de uma obra fictícia.






As vinhas da Ira (volume I)
John Steinbeck


            O livro “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, em sua primeira parte, trata, sobretudo, da grande migração de pequenos agricultores do leste dos Estados Unidos, especialmente do estado de Oklahoma, para o estado da Califórnia.
            A narrativa conta a história da família Joad, composta de agricultores que obtêm a sua subsistência através do cultivo de sua pequena propriedade rural. Ocorre que tendo obtido alguns empréstimos junto aos bancos a família acaba perdendo sua terra como forma de pagamento da dívida, processo que se intensificou com a crise de 1929. A situação ainda é agravada pelo processo de automação do trabalho rural, com o uso cada vez mais constante de tratores, pesticidas e outros insumos que foram responsáveis pelo aumento da produtividade com o menor uso de mão-de-obra. Nota-se que o preço do algodão, principal cultivo da região, tende a cair e que seu cultivo praticado de forma não-mecanizada pelas famílias não encontra condições de competir em grau de igualdade com os latifúndios mecanizados.
            Esses fatores citados anteriormente foram responsáveis pela perda das terras dos pequenos agricultores. Esse processo, que pode ser comparado ao “cercamento” na Inglaterra, levou as famílias  a serem atraídas pela propaganda de que na Califórnia havia emprego e terras disponíveis para quem desejasse trabalhar. Eles vendem seus pertences para comprar carros usados em péssimo estado, adaptando-os como pequenas caminhonetes, desse modo lançando-se a grande viagem atravessando todo o país pela estrada 66 até a Califórnia.
            Durante a viagem a família Joad perde o seu patriarca e a sua matriarca, Avô e Avó, ambos bastante idosos e que não resistiram à desgastante jornada. Não se pode esquecer também de Tom Joad, já que se trata do personagem principal da narrativa, posto em liberdade condicional recentemente sob a responsabilidade de não deixar o estado de Oklahoma, mesmo assim ele resolve juntar-se a família na viagem.
            Os viajantes no seu percurso encontram várias pessoas também em direção a Califórnia e outras que estão voltando de lá. É exatamente das pessoas que estão deixando o Estado do Oeste que eles ficam a par de como é a vida nele para os emigrantes, e apesar das notícias inquietantes a família mantêm-se decidida, pois conservam a esperança de uma vida melhor no novo Estado. Percebe-se que essa fé obstinada numa vida melhor é fruto da emigração se apresentar como única opção aos viajantes, já que inexistem alternativas capazes de melhorar a vida dessas pessoas num contexto onde as regras são ditadas pelas grandes empresas e bancos. Esse primeiro volume se encerra com a chegada da família Joad a Califórnia e a expectativa de conseguir dinheiro, através de árduo trabalho, para comprar novas terras.